Margarida Gil

Menstruório

Conceito

O artefacto de Media-Arte Digital Menstruório é um repositório de testemunhos sobre experiências menstruais. Apresenta-se sob a forma de uma instalação de vídeo interativo que combina animação digital e vídeoarte, numa proposta Ribca que expõe os tabus e estigmas ainda associados à menstruação. Fundamentado nas teorias de narrativa transmédia e gamificação, o projeto apresenta-se como uma obra artivista que denuncia questões sociais frequentemente invisibilizadas. A instalação estrutura-se a partir de três narrativas principais, cada uma reveladora de distintas facetas da experiência menstrual em diferentes contextos culturais e geográficos: o Chhaupadi, prática tradicional nepalesa que isola mulheres durante o período menstrual; a precariedade de acesso a água potável e condições sanitárias adequadas enfrentada por milhões de pessoas menstruantes; e o estigma que rodeia a endometriose, uma doença ginecológica crónica amplamente negligenciada pelos sistemas de saúde.

O utilizador é confrontado com 3 escolhas iniciais e, a partir daí, usando gestos, pode interagir livremente com a obra, alternando entre as narrativas ou deixando-se levar até ao fim de cada uma. Esta estrutura não-linear proporciona uma aparente liberdade exploratória, porém, sempre que virar a cara, a narrativa o vídeo regressa à introdução, um gesto simbólico que reflete como, perante a ausência de atenção, os estigmas persistem e tudo volta ao ponto de partida. A possibilidade de alternar constantemente entre vídeos, sem necessidade de os ver até ao fim, evoca também o comportamento de doomscrolling — uma navegação incessante e fragmentada por conteúdos, que reflete a dificuldade em sustentar a atenção num só percurso. Esta lógica reflete um dos grandes paradoxos contemporâneos: num mundo saturado de informação, é precisamente a superficialidade do contacto que impede uma compreensão real. Quando o desconforto se impõe, como no caso da menstruação, a tendência é saltar, contornar, evitar — perpetuando assim o desconhecimento sob a ilusão de informação constante.

Referências e influências estéticas:

A estética do Menstruório é atravessada por uma linguagem visual inspirada na glitch art, com a sua estética lo-fi, crua e de inspiração punk para provocar frustração no
espectador. Estes distúrbios visuais surgem em vários pontos da narrativa como interrupções inesperadas que desestabilizam a experiência de visualização. Esta escolha estética funciona como uma crítica direta à ilusão de controlo que muitas vezes se associa ao acesso digital à informação, sublinhando a frustração sentida perante a recorrente invisibilidade das questões menstruais.

Objetivo de intervenção / comunicação

O projeto tem como principal intenção abrir espaço para um diálogo mais honesto e desinibido sobre a menstruação, desafiando o silêncio, o desconforto e os constrangimentos que ainda persistem em torno do tema. Procura-se não apenas encorajar a partilha de testemunhos individuais, mas também promover uma maior consciencialização coletiva, incentivando o envolvimento ativo em causas ligadas à justiça menstrual — como o combate à pobreza menstrual, a defesa da educação menstrual inclusiva e a reivindicação de cuidados de saúde dignos e acessíveis para todas as pessoas menstruantes. O projeto dá corpo a personagens emocionalmente reconhecíveis, permitindo que o público se identifique com as suas histórias. Ao articular dados reais com uma componente visual intensa, procura-se provocar uma resposta emocional que favoreça a tomada de consciência sobre práticas discriminatórias ainda profundamente enraizadas, mesmo em sociedades com acesso facilitado à informação.

Instruções de utilização

Para iniciar a experiência, o utilizador deve posicionar-se em frente à webcam, permitindo que a sua cara seja detetada — esse gesto ativa a interatividade. A partir daí, pode interagir com a obra através de gestos simples, que lhe permitem navegar entre as diferentes narrativas ou assistir a todas na totalidade. Os gestos reconhecidos pelo sistema são: um dedo levantado, dois dedos levantados e mão aberta.

Tecnologias e técnicas utilizadas:

O Menstruório integra diversas técnicas visuais num único vídeo interativo para criar uma experiência imersiva que confronta o público com realidades frequentemente silenciadas sobre a menstruação. O vídeo emprega duas linguagens visuais contrastantes: animação digital para representar os estigmas culturais e simbólicos, e imagens reais processadas em stop-motion para ilustrar aspetos reais da experiência menstrual. Esta dualidade visual representa conceptualmente a coexistência entre tabus culturais e realidades biológicas que caracterizam a compreensão social da menstruação.

O processo técnico de criação envolve múltiplas plataformas: as animações são inicialmente desenhadas em Procreate e posteriormente animadas frame by frame em Rough Animator. Paralelamente, as fotografias que compõem o stop-motion são editadas em Photoshop e tratadas posteriormente no After Effects. A montagem, que articula ambas as linguagens, é realizada em Adobe Premiere, enquanto a interatividade do vídeo final é implementada em TouchDesigner.
A configuração expositiva do artefacto consiste numa projeção na parede e a interação é feita via captação de movimento usando webcam.

Diário Digital de Bordo

https://margaridaisgil.wixsite.com/diariodebordo

Margarida Gil

Com mestrado em Design de Produto–Moda (ESAD) e master em Design Gráfico e Ambientes Digitais (LABASAD). Trabalhou em design de moda antes de se dedicar ao design gráfico e de comunicação. Atualmente é responsável pelo Design e Comunicação do Museu do Abade de Baçal, em Bragança. Tem experiência em ilustração, identidade visual, design editorial, fotografia, edição de imagens e branding.