Mário Coelho

Oceanus Symmetriarum:
uma experiência de i(n)teração generativa

Conceito

O artefacto “Oceanus Symmetriarum” propõe uma reinterpretação contemporânea do Mosaico do Oceano exposto no Museu Municipal de Faro. Inspirando-se nos florões e simetrias deste património romano classificado como Tesouro Nacional, a obra combina programação em Processing e espelhos para criar padrões visuais infinitos. Apresentada num plinto com monitor, convida o público à interação e à contemplação dos princípios geométricos do design clássico através de sensores. A instalação destaca o valor artístico e histórico do mosaico, demonstrando o potencial da simetria como motor criativo na arte digital. Propõe-se como uma experiência estética que promove a valorização do património através de tecnologias contemporâneas e estabelecendo uma ponte entre a arte clássica e as possibilidades da arte generativa.

Referências e influência estética

O Mosaico do Deus Oceano, exposto no Museu Municipal de Faro, classificado como Tesouro Nacional, tem vindo a exercer um fascínio crescente desde o primeiro contacto. Ao longo de visitas sucessivas, o olhar foi-se tornando mais atento e curioso, revelando gradualmente detalhes anteriormente despercebidos e despertando a consciência de que esta peça milenar encerra múltiplas camadas de significado, não apenas pelo seu valor artístico e decorativo, mas enquanto testemunho da presença romana no território que é hoje o sul de Portugal.

Com uma história que remonta a quase dois mil anos, o mosaico apresenta-se como um fragmento de uma narrativa maior: a expansão do Império Romano, a navegação pelo Mediterrâneo, os mitos clássicos, a sofisticação da arquitetura e da arte da época. A sua materialidade – composta por milhares de pequenas tesselas – sugere um paralelismo poético com o pixel, unidade mínima da imagem digital. Assim, a tessela é para o mosaico romano o que o pixel é para a média-arte digital contemporânea. Esta analogia formal e conceptual serviu de ponto de partida para uma reinterpretação do mosaico através de práticas de programação criativa e arte generativa.

Neste percurso, a descoberta da arte generativa no contexto do DMAD foi transformadora. Entre as referências que mais marcaram o processo está o sketch “P_4_3_1_01”, do livro Generative Gestaltung, desenvolvido por Benedikt Groß, Hartmut Bohnacker, Julia Laub, Claudius Lazzeroni, com contributos de Joey Lee e Niels Poldervaart. O modo como este programa mapeia e distorce pixels em tempo real, em resposta ao input do utilizador, abriu caminho para imaginar interações dinâmicas e visuais que informam diretamente o presente projeto.

Outra fonte de inspiração vem da obra “Jewels of the Sea” de Maximilian Seeger, que embora não relacionada diretamente com o tema do mosaico, provoca uma ressonância estética através da sua exploração da geometria das diatomáceas – organismos unicelulares marinhos que assumem formas fascinantemente simétricas. A convergência entre arte, ciência e natureza nesta instalação despertou o interesse por padrões naturais complexos, reforçando o fascínio pela simetria e pela multiplicação estrutural, elementos também presentes no desenho do mosaico do Oceano.

O estudo iconográfico do Deus Oceano em mosaicos romanos, assim como a análise de outras composições musivas da antiguidade, tem sido desenvolvido paralelamente, com o intuito de compreender melhor o contexto estético e simbólico desta figura mitológica. Um dos principais motores do projeto é precisamente a vontade de explorar, reconstituir e expandir visualmente o mosaico do Museu de Faro, imaginando-o completo, integral e reanimado através das potencialidades da média-arte digital e da interatividade.

Este conjunto de referências – que articula tradição e contemporaneidade, arqueologia e código, observação e criação – sustenta a linguagem estética do artefacto apresentado, dando forma a uma proposta que procura dar nova vida a um legado do passado através das tecnologias do presente.

Objetivo de intervenção/comunicação

O artefacto apresentado não tem como propósito narrar uma história ou construir uma narrativa linear, mas sim destacar o potencial da arte generativa aplicada ao Mosaico do Oceano, com especial foco nos padrões geométricos de tesselação presentes nas suas laterais. Estes padrões, inspirados em formas vegetais, obedecem a regras de simetria que, apesar de rigorosas, permitem variações subtis, tornando cada elemento visualmente único. A intervenção propõe oferecer ao público uma experiência visual envolvente, educativa e esteticamente rica, permitindo uma nova leitura do mosaico enquanto sistema visual complexo.

Através da interatividade, em que o público pode substituir florões por meio de sensores de pressão situados no chão, e da utilização de espelhos que replicam simetricamente os padrões gerados, cria-se a ilusão de um desenho infinito. Esta abordagem revela a estrutura oculta e matemática do mosaico de forma acessível, mesmo a quem não possui formação técnica ou artística, promovendo a curiosidade e o encantamento. Contribui também para a valorização cultural e histórica do mosaico, ao evidenciar a sofisticação técnica e os princípios estéticos que orientaram a sua criação na época romana. Finalmente, esta proposta pretende ainda funcionar como fonte de inspiração para artistas, estudantes de arte, design e arquitetura, ao demonstrar como os princípios clássicos podem continuar a informar e a enriquecer práticas contemporâneas, em particular no contexto da arte digital e da criação baseada em algoritmos.

Instruções de utilização/usufruto

Este artefacto convida o público a interagir de forma intuitiva e não-verbal, explorando padrões visuais inspirados nos florões do Mosaico do Oceano. A interação acontece através de sensores de pressão colocados em bases colocadas no chão, dissimulados em bases de MDF colocadas em torno do artefacto.

Ao pisar as bases/sensores, o visitante ativa o sistema, que responde de forma imediata, gerando uma nova variação gráfica de meio florão. Essa imagem é simultaneamente projetada no quadrante correspondente do monitor principal (LCD). As formas, desenhadas por algoritmo, completam-se visualmente por efeito de espelhos dispostos no interior da redoma, criando florões inteiros e gerando padrões de simetria e repetição infinita.

Cada sensor controla um dos quatro quadrantes do ecrã, permitindo a recombinação de diferentes padrões em tempo real. Podem interagir até quatro pessoas em simultâneo, pisando sensores diferentes e influenciando diretamente o conteúdo visual. A instalação encoraja o público a circular livremente à sua volta, observando as variações do padrão a partir de múltiplos ângulos.

Não é necessário qualquer conhecimento técnico para usufruir da peça: basta a aproximação física e o toque do pé no sensor para que a interação ocorra de forma fluida e acessível. O sistema, baseado em sensores de pressão ligados a um microcontrolador (como o Arduino) e a um Raspberry Pi 5, responde ao movimento dos visitantes, promovendo uma ligação direta entre o corpo do espetador e a imagem gerada.

Diário Digital de Bordo

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Mário Coelho

Licenciado em Design de Comunicação pela Universidade do Algarve e doutorando em Média-Arte Digital (UAlg/UAb). Atualmente exerce funções como técnico superior na área de design de comunicação na Divisão de Museus, Arqueologia e Património Cultural da Câmara Municipal de Faro, integrando a equipa do Museu Municipal. O seu trabalho centra-se na criação da identidade visual das exposições do Museu Municipal e do Museu Regional de Faro, articulando design, património e comunicação. Ao longo da sua carreira, desenvolveu competências em branding, design editorial, fotografia, ilustração, type design, produção gráfica e desenvolvimento web. Interessa-se pelas potencialidades da média-arte digital enquanto território de interseção entre património, tecnologia e expressão visual.