Marta Amorim

SPECTRAL SPACES

CONCEITO

spectral spaces remete para os primórdios da fotografia e da imagem em movimento, resgatando o conceito de fruição individual no espaço público e de acesso a locais inacessíveis, patente em dispositivos como o Kaiserpanorama de August Fuhrmann, máquina estereoscópica do século XIX que permitia que várias pessoas, em simultâneo, espreitassem através de lentes individuais para ver fotografias de lugares remotos com tridimensionalidade aparente que giravam através de um mecanismo circular.

O artefacto pretende ser anacrónico ao evocar o passado através do elemento de visualização estereoscópica, enquanto o presente é vivido no ato da observação e o futuro – ou uma ideia dele – é projetado através de imagens sintéticas em movimento.

A ideia central está no ato de espreitar, aqui usado como gatilho para a interação visual, suscitando curiosidade e, ao mesmo tempo, criando expectativa e necessidade de descoberta. A integração de um elemento «analógico», na forma de uma caixa fechada com um visor estereoscópico, procura, por um lado, proporcionar uma experiência individual, exclusiva e auto-consciente e, por outro, promover o retorno da materialidade que restitui a tangibilidade ao digital. Desta forma, o espectador torna-se mais presente e o dispositivo ganha uma componente de familiaridade.
Os locais distantes e exóticos para onde o Kaiserpanorama transportava os espectadores no século XIX, são substituídos por estruturas e espaços arquitectónicos imaginados pela Inteligência Artificial (IA), ferramenta que está a moldar o século XXI. Estes encontram-se dispostos em dípticos constituídos por duas imagens com afinidades formais com potencial para forçar, através da conjugação dos efeitos de estereoscopia e diplopia, o surgimento de uma terceira imagem com características espectrais – constituída pela complementaridade das duas representações visuais originais – que se manifeste como uma nova possibilidade de espaço. O movimento instituído é quase indistinto e procura amplificar o caráter enigmático do artefacto e uma certa sensação de estranheza.

Conceitos-chave: estereoscopia, imagens espectrais, imagem em movimento, videoarte, inteligência artificial, imagens sintéticas

OBJETIVO DE INTERVENÇÃO/COMUNICAÇÃO

O espectador é convidado a experimentar o anacronismo do artefacto, interagindo com um objeto físico «analógico» para, através das lentes, ter acesso à visão futurista que ele projeta. Esta ponte entre passado e futuro manifestada através da fusão entre o antigo e o moderno, o familiar e o estranho, além de sublinhar a importância da materialidade na era pós-digital enquanto mediadora da experiência de visualização, enriquece a componente sensorial e confronta o público com a ideia de transformação e inovação tecnológica.

O ato de espreitar é o elemento dinâmico e interativo desta experiência. O espectador tem uma participação ativa no efeito gerado, uma vez que a visualização das representações espectrais que o dispositivo pode mostrar depende da capacidade inata do olho humano, revelando-se um desafio à perceção visual. É neste gesto íntimo mediado pelo visor que cada observador perceciona e combina as imagens de forma pessoal e única. Esta noção de exclusividade, ao promover um envolvimento mais profundo e significativo com a obra, pretende estimular um olhar analítico e crítico sobre as imagens observadas e aquilo que elas representam.

TECNOLOGIAS E TÉCNICAS UTILIZADAS

Este artefacto combina técnicas antigas e modernas. A estrutura do visor foi construída usando os elementos ópticos de uma caixa estereoscópica do século XIX, tendo-se mantido no desenho de conceção as distâncias de visualização originais, para preservar a funcionalidade do mecanismo. O efeito estereoscópico foi aqui associado ao fenómeno de diplopia, imposto pela utilização de dípticos cujas imagens apenas se aproximam formalmente, como forma de desafiar a perceção visual do espectador.

A construção das imagens foi precedida de um trabalho exploratório e iterativo com a plataforma de IA Midjourney, durante o qual foram testados diversos parâmetros do sistema e configurações de texto com conceitos-chave relacionados com abstracionismo e videoarte. Estes ensaios preliminares foram essenciais para afinar as instruções fornecidas ao modelo para que este produzisse representações visuais com interesse estético.

O movimento quase impercetível instituído às imagens e a componente sonora que acompanha a evolução visual de forma sincronizada, foram definidos em pós-produção, sendo ambos independentes da interação com o espectador.

Colaborações:

Conceção e construção da estrutura em madeira: Éric Many

REFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS ESTÉTICAS

Partindo da ideia de dar relevo ao ato de espreitar como impulsionador da interação com o espectador, este artefacto foi concebido a pensar nos dispositivos estereoscópicos do século XIX, em particular no Kaiserpanorama de August Fuhrmann, pelo fascínio que este exercia no público com a sua capacidade de proporcionar experiências individuais dentro de um contexto de fruição coletiva.
Os contributos fulcrais para a concretização deste artefacto foram depois dados pela curiosidade suscitada pela enigmática obra Étant Donnés de Marcel Duchamp, em que o ato de espreitar e a fruição são experiências exclusivas; pelo trabalho Digital Chemotaxis de Andy Lomas, com a integração de um elemento «analógico» que faz a adaptação de um visor estereoscópico antigo num artefacto digital; e pelas experiências com visão dupla desenvolvidas no projeto Diplopia Experiments de Rosemary Lee. Esta amálgama de referências traduz a procura por um efeito imersivo evocativo, em simultâneo, de sensações de estranheza e familiaridade.

Diário Digital de Bordo: http://www.martaamorim.com/ddb

Marta Amorim

Licenciada em Química Tecnológica pela FCUL, tem percurso formativo ligado à fotografia (Ar.Co) e à produção multimédia (CENJOR), tendo realizado a Pós-Graduação em Discursos da Fotografia Contemporânea na FBAUL. Enquanto artista visual, o foco dos seus interesses está nos processos tecnológicos que desencadeiam imagens e nas suas engrenagens, estando actualmente a investigar a construção de representações visuais sintéticas e a sua aplicação em videoarte, no âmbito do doutoramento em Média-Arte Digital que frequenta na UAlg/UAb.