Inauguração da Exposição de Projetos de Média-Arte Digital
Inauguração da Exposição [IN]TANGIBILIDADES DIGITAIS
No contexto da arte, em poucas décadas, passámos do paradigma do “proibido tocar” ao paradigma do “por favor toque” e da “interação”. Contudo, no contexto social, e apenas num par de anos, passámos pelo processo inverso: substituímos a proximidade e o contacto pelo distanciamento físico – e, tantas vezes, emocional. Estes tempos de contrastes extremados são parte do código genético da exposição [IN]TANGIBILIDADES DIGITAIS, enquanto reflexo de uma sociedade que, por um lado, entende os meios e tecnologias digitais como uma forma de aproximação global, mas por outro permite que o deslumbramento com a tecnologia possa contribuir para enfraquecer o relacionamento humano de proximidade. Este universo de “toca” e simultaneamente “não toca”, de “estou aqui”, enquanto, na verdade, “estou em todo o lado”, abre múltiplas portas, nem todas necessariamente boas ou más: muitas delas desconhecidas e merecedoras de exploração e investigação. É o que estes artistas, investigadores e comunicadores nos trazem com as suas obras de média-arte digital. Instados a gerar um projeto curatorial unificador de percursos individuais muito distintos, variados e independentes, tiveram de se assumir como coletivo e encontrar um fio condutor e unificador para estes projetos experimentais e tecnológicos, procurar uma ligação a Loulé, e ao antigo Convento do Espírito Santo. Este foi o último desafio que (magnificamente) superaram, e nos permite chegar ao momento da sua apresentação pública, no âmbito do Retiro Doutoral em Média-Arte Digital. Fica, assim, desvelada a ligação entre os equipamentos e tecnologias, o meio físico (a terra); os fluxos de energia e dados (a água); e a virtualidade, o intangível (o espírito), que adquirem novos sentidos, enquanto os antigos são ampliados: dos materiais passamos às ideias, do toque à imaginação. O tangível torna-se imaterial e o intangível é consubstanciado.
Pedro Alves da Veiga
Projeto de Curadoria
O binómio tangível/intangível, próprio da arte digital, está imbricado na dicotomia entre o concreto, real, corpóreo, palpável, tocável, corporalizado e materializado e o incorpóreo, imaterial, etéreo e volátil. Perpassa os sentidos que apreendem o que os olhos veem, o que os ouvidos ouvem, o que as mãos sentem, numa sinestesia do ato percetivo, em que não se vê tudo o que se sente. Na fruição dos artefactos todos os sentidos se reúnem em busca da tangibilidade: visualidade, tatibilidade, corporeidade, sonoridade, sensibilidade.
Na exposição [IN]Tangibilidades Digitais será possível ao participante deparar-se com
questões inerentes ao trabalho com arte digital: o próximo e o remoto; o palpável e o impalpável; o provável e o imaginário; o que está dentro e o que está fora. Nas [IN]Tangibilidades Digitais, múltiplas possibilidades se apresentam.
Percetibilidade é o ser das coisas, frase atribuída ao Bispo de Berkeley, e que se refere ao conceito de que as coisas não existem se não são percebidas. O jogo das intangibilidades digitais desafia esse conceito e propõe-se a perceber o que não é
percebido, o intangível.
- Tudo é possível na arte digital?
- Onde estão os limites?
- Como a experiência digital se torna tangível e transforma o mundo?
- O mundo amplia-se ou reduz-se a partir das novas ferramentas digitais?
- O que há para ver sobre o que já supomos saber?
Estas questões são levantadas a partir do contacto com as obras da exposição, sobre as quais os artistas-pesquisadores se vêm a debruçar no contexto do Doutoramento em Média-arte Digital e revelam o percurso de um ano de pesquisa artística e académica. Os artistas muito raramente são apenas artistas — são atravessados pela multiculturalidade e transdisciplinaridade. São investigadores, artistas e também professores, empreendedores, cientistas, engenheiros, coreógrafos, jornalistas, publicitários e produtores.
As obras
Esta exposição apresenta obras de nove estudantes do primeiro ano do Doutoramento em Média-Arte Digital, desenvolvidas para a Unidade Curricular de Seminário de Investigação e Produção Artística, responsáveis ainda pela respetiva curadoria, desenvolvida no âmbito da Unidade Curricular de Curadoria e Intervenção Artística Digital, e ainda uma obra de uma estudante do terceiro ano do mesmo programa doutoral.
A curadoria é um método, mais do que um processo de organização ou de escolhas, que envolve sempre um aspeto autoral. Trata-se de um processo de significação assente em parcerias e debates (Graham e Cook, 2010).
O percurso proposto na exposição [IN]Tangibilidades Digitais resultou de
múltiplas conversas, reuniões, experiências e ressignificações de cada instalação em função do espaço e do coletivo.
A entrada do edifício é a casa de partida, onde é proposta uma descrição genérica do
conceito que alicerça a exposição que se encontra dentro do Convento. De seguida, é proposto um percurso pelo deambulatório do claustro, que conduz às várias salas. As obras exploram situações de contiguidade nas salas, em função de uma teia de conceitos.
As salas 1 e 2 são um labirinto marcado pelo excesso de exposição, de produção de distribuição de imagens e de significações. Aqui encontramos dispositivos que simulam, metaforicamente, algumas problemáticas da contemporaneidade que urge evidenciar.
Na sala 1, entramos no circuito videovigiado da instalação How I Learned to Stop Worry[in]g and Love the Big Brother de Alexandre Martins, uma proposta, na era da superinformação, que explora a zona de corte entre o que é público e privado, abordando vários binómios da atualidade: homem versus máquina, privado e anónimo versus público e familiar, controlo versus liberdade, lugar versus não-lugar. É também a partir daqui que o visitante constrói o seu percurso e encontra o
Fio de Ariadne que o conduzirá pelas nove obras instaladas no convento.
Na sala dois, [IN] MY MONO NO AWARE, do artista Ricardo Mestre, propõe uma visão e
representação individual do ser humano que se constrói, precisamente a partir do que não se controla, onde convergem tempos e lugares, materializados em diferentes, e aleatórias, sensibilidades visuais e sonoras.
Desta experiência de imersão, o Fio leva o visitante a entrar na instalação sensorial Lugares [IN]Habitáveis de Marisa Guimarães, um simulacro do não-lugar, do lugar de passagem e de travessia de transeuntes, onde narrativas (auto)biográficas ecoam a
controvérsia da (in)visibilidade e (hiper)visibilidade.
Neste percurso, ainda na mesma sala, a luz dos projetores e das câmaras guiam o caminho até à instalação IN[The Hate Booth], de Susana Costa, uma proposta que reflete o ciberespaço como terreno fértil para a desinibição tóxica do discurso de
ódio. Trolls e bots escapam entre o espaço vigiado, mas desregulado, da Internet.
O Fio leva o visitante de volta ao deambulatório do claustro, e nas salas 3 e 4, unem-se forças fundamentais da natureza. O Fio perde gravidade e flutua. Instala-se o sonho, a música, o desenho, a propulsão de Arquimedes atua de baixo para cima e a água, elemento fundamental, faz-se ouvir e sentir no Convento.
O Fio leva-nos à sala 3, um espaço povoado por sonhos e imaginação. [IN] (2022) {Safara —Sonho Lúcido 2020}, de Ana Perfeito, é um convite para um espetáculo de cinema ao vivo, onde os elementos sonoros e visuais são manipulados em tempo-real pela personagem principal que se encontra fora do ecrã. Esta obra transporta-nos para a representação de um sonho lúcido, onde se fundem elementos tangíveis e intangíveis numa viagem até à aldeia alentejana Safara.
Na mesma sala, a instalação de Clara Trigo, Get[IN]Gravity, convida a audiência a decidir sobre o deslocamento da gravidade, como se continuássemos num sonho.
Na passagem para a sala 4, o Fio leva o visitante a um novo paradigma onde se fundem a música, o desenho e a água em três instalações que propõem experiências imersivas, com elementos mais e menos tangíveis. I’m watching you/me: [IN]musicality, de Lufo, é um convite para perscrutar a musicalidade do desenho, através da interação entre perspetivas esféricas, ambiente de realidade virtual e música ao vivo.
[IN]AQUA, de Miguel Lima, propõe uma reflexão sobre o consumo da água. Aqui, o Fio leva o visitante à interação com o artefacto “bebeD’ouro” que traz uma narrativa imersiva despoletada pelo gesto de abrir a torneira. Na última obra presente na sala 4, o Fio continua mergulhado nas águas, desta vez na Amazónia. [IN]MarImmersiveWaves, de Vasco Ramalho, propõe uma performance musical da obra Águas da Amazônia do compositor Philip Glass, numa adaptação para marimba solo e arte generativa.
A obra adicional, da artista Inês Regina, é o Rejeitorio que, apesar de ser apresentada no espaço do auditório, está unida pelo mesmo Fio aquático.
Inspirado por Duchamp e pela “Morte do autor” proclamada por Barthes em 1967, o coletivo propõe um espaço, onde novos significados e relações espaciais podem ser recriados e fruídos pelo visitante. Independentemente das intenções dos autores e dos curadores, estas nove instalações são instáveis e mantêm-se abertas, tal como o percurso que as une.
Logótipo
O logótipo da exposição [IN]Tangibilidades Digitais foi definido conjuntamente, após a avaliação das diferentes propostas apresentadas pelos doutorandos. As propostas exploraram o binómio do conceito de exposição com mais ou menos evidência, e algumas delas foram mesmo alinhadas com os elementos que representam o Retiro.
A opção escolhida é a que obteve o maior consenso no grupo e a que foi concluída como a mais representativa da totalidade dos elementos constituintes da exposição.
O logótipo escolhido condensa o nome da exposição com o binómio do conceito.
De facto, a utilização de quadros entre parênteses retos, focaliza e pontua um sentido, mas não o fecha, impedindo-o de permanecer como uma entidade isolada. O [IN] entre parênteses também sintetiza a abertura de novos caminhos, como por exemplo, o conceito de Claudia Giannetti do artista como um agente interno (2003).
A definição do logótipo envolveu duas fases: a definição conceptual e a execução material. Dentro da parte conceptual, era fundamental compreender a relação com o contexto, ou seja, com o local de exposição, a cidade e a sua idiossincrasia. Estes elementos são materializados com um conjunto de três linhas: horizontal (referências à terra), vertical (espírito), e ondulada (água).
A partir destas três referências, a exposição interrompe as três linhas verticais com uma linha diagonal que acaba por formar a letra N. Esta diagonal é responsável pela materialização das nossas intenções transversais, algo que não está alinhado com o tradicional, mas que também o liga. Com efeito, as intangibilidades digitais alteram o espírito original do sítio, propondo uma utilização diferente e algo provocadora do que se esperaria de um convento. No entanto, fá-lo sem negar a presença desse espírito original, mas antes limitando-se a si próprio dentro dele (daí os
parênteses).
A expressão é graficamente simples, mas complexa e carregada de significados. Aos três elementos/cores da terra (castanho-quente), água (azul-frio), espírito (azul claro-frio), é acrescentado um quarto elemento para compensar o jogo: fogo (quente). Este fogo, provocadoramente definido pelo rosa em vez do vermelho, materializa as instalações e atuações que serão apresentadas durante o retiro. De facto, a cor traz
vitalidade e tensão, a energia radiante e expansiva do fogo. Reflete, como uma ação simbólica, o exercício do desejo, da experimentação e da criatividade.
O fogo é uma transformação em cadeia que liberta luz e calor. Representa, portanto, uma forma que é ao mesmo tempo material e imaterial, que no corpo [IN]tangível do trabalho é física e digital, conceptual e concreta, conservadora e irruptiva, uma forma unida de elementos que não são os mesmos quando tomados individualmente.
Assim, o rosa/fogo é a concretude material do conceito provocador do que se espera do convento, e alinha-se com o fervor do exercício espiritual, a candura das nossas missões, e a energia que é libertada quando os artefactos são expostos ao
público.
Redes sociais [IN]tangíveis