Cristina Cavalcanti
DES[MONTAGEM]
ARTE, ARQUIVO E MÍDIAS DIGITAIS
Conceito
O esquecimento é uma constante ameaça. A história é contada através de informações selecionadas e interpretadas segundo o interesse hegemônico, que elege as vozes que serão ouvidas e as que serão silenciadas. [Des]montagem é uma instalação multimídia interativa, composta por elementos heterogêneos e anacrônicos que juntos promovem associações diversas, criam novos significados e sensações.
[Des]montar aponta para o sentido de fragmentar o que se costuma ver unido e conectar o que se costuma ver separado. São arquivos de imagem, arquivos de áudio e documentos dispostos em sequências aleatórias, numa experiência que não se repete.
A partir do confronto entre os retratos de mulheres que foram torturadas, assassinadas ou desaparecidas durante a ditadura civil militar brasileira, um manuscrito assinado por uma destas vítimas e, por fim, as vozes dos militares negando os próprios crimes, percebemos como houve a tentativa de apagar e distorcer os fatos por parte do estado e das instituições.
Os retratos são projetados sobre a fumaça gerada por uma máquina, que é acionada em reação à presença do público. A fragilidade do elemento não permite que se vejam as imagens com nitidez. Quando o visitante se afasta a fumaça se esvai e as mulheres desaparecem, ficando somente as vozes masculinas. Mas resta também o documento.
Presente, passado e futuro se interseccionam, numa experiência estética e política transformadora, que busca incorporar a dimensão do arquivo e da memória na arte.
Instruções de utilização
É importante a entrada de apenas duas pessoas por vez no espaço expositivo para melhor fruição da obra e da interação. A experiência só é completa com os fones de ouvido.
Objetivo de intervenção/comunicação
A intenção é colocar o público em contato com estes documentos históricos, provocando a ativação da memória individual e da memória coletiva, a fim de trazer uma reflexão sobre o papel da história e sobre as narrativas de poder. Pretende-se chamar a atenção para o período da ditadura civil militar brasileira, que decorreu entre os anos de 1964 e 1985 e lançar o olhar sobre as mulheres que foram, múltiplas vezes, silenciadas: ao sofreram a tortura e a violação de seus corpos, ao serem assassinadas pelo estado, ao ter seu sofrimento relativizado e ainda, ao continuarem a sofrer apagamento através da negação dos acontecimentos.
Diário Digital de Bordo
https://www.cristinacavalcanti.com/diario
Tecnologias e técnicas utilizadas
As sequências imagética e sonora ficam hospedadas em um computador e se alternam generativamente, aleatorizadas com Javascript. Um projetor espelha as imagens sobre uma parede escura, o que faz com que ainda não possam ser vistas.
Um documento é o convite para que o visitante se aproxime. Ao colocar os fones de ouvido, passa a ouvir os áudios. Uma câmera web estrategicamente posicionada detecta a presença através de um programa de IA – Inteligência Artificial. O sinal é enviado para o Arduino, que se conecta a uma máquina de fumaça por DMX e a aciona, disparando a fumaça e criando uma espécie de tela onde se veem as imagens projetadas.
As tecnologias utilizadas são:
- sensor de presença através de uma câmera web programada com IA
- imagens em sequência generativa, programadas em Javascript
- arquivos de áudio em sequência generativa, programados em Javascript
- projeção de imagens
- fumaça gerada por uma máquina de fumaça DMX
Referências e influências estéticas
A primeira inspiração vem de artistas e obras que se apropriam do arquivo e da memória, como Christian Boltanski, Giselle Beiguelman e Rosângela Rennó. A proposta de construir uma imagem simbólica com poucos elementos, que provocam uma leitura simples e direta, como nos trabalhos de Dominique Blain e Fayçal Baghriche, também são inspirações. Todos estes trabalhos têm ainda um ponto de convergência: versam na direção de buscar outros pontos de vista, de ouvir outras vozes. As traquitanas do primeiro cinema e as formas não usuais de projeção são bem vindas por provocarem novas percepções de objetos de uso comum, a partir da aplicação de princípios da retórica da imagem, como distorções, alteração de velocidade e inversões, por exemplo.
Cristina Cavalcanti é uma artista transdisciplinar brasileira que vive em Portugal. Formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPR – Universidade Federal do Paraná e em Artes Cênicas pelo INDAC – Instituto de Arte e Ciências – São Paulo e doutoranda em média-arte digital pela Universidade do Algarve e Universidade Aberta de Portugal. É diretora, atriz e web designer. Em 2003, fundou a Visceral Companhia, vencedora dos prêmios Shell, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Aplauso Brasil, com a qual produziu diversos espetáculos teatrais. Como designer, criou websites de vários artistas e peças gráficas para filmes e peças de teatro. Como investigadora, pesquisa como a arte de arquivo contribui para a ativação da memória e releituras da história ao contestar o pensamento dominante e como a [des]montagem, seja no cinema ou em instalações artísticas, provoca diferentes associações e constrói novas imagens poéticas.
Colaboradores
Maria Júlia Andrade: pesquisa de documentos da ditadura
Rodrigo Menck: edição de vídeo
Rui D’Orey: programação